Artigo - Um dia no Congresso Nacional
Um encontro diferente num dia normal em Brasília
Hélio C. Freitas Filho, agente de polícia federal
Comunicação Sinpf-ES
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Cabral aguarda na grande fila que se forma para entrar no Congresso Nacional, a marcha é lenta, todos têm que ser submetidos à revista pessoal feita pela Polícia Legislativa que atua no local. Chega finalmente sua vez, o detector de metais é passado em seu corpo, situação ligeiramente desconfortável para quem durante trinta e um anos trabalhou ativamente como policial federal até se aposentar, e raramente precisava passar por semelhante procedimento.
Liberada sua entrada sem maiores entraves, recebe adesivos e instruções para grudá-los em seu terno, traje exigido para ocasião, e que por sinal detesta usar. Os plásticos colados na lapela, idênticos aos utilizados pelos demais integrantes da comitiva composta por colegas de profissão, lhe permitem acessar apenas alguns setores.
O objetivo do grupo, liderado pelos representantes sindicais da categoria, é tentar o apoio dos parlamentares em prol do projeto de lei que assegure a aposentadoria especial dos policiais em razão do risco da atividade desenvolvida. Tão logo adentram as dependências do grande salão oval, as instruções são repassadas pelos líderes.
A partir desse instante, o grupo maior se subdivide em vários trios, que devem procurar deputados de suas respectivas bases territoriais. Cabral compreende sua missão, mas de imediato um dilema lhe aflige. Tenta se manter concentrado, foca no propósito de sua enfadonha viagem até Brasília, decide não revelar o motivo de sua angústia, entretanto relembra que o congressista a ser procurado fora alvo de uma antiga investigação por envolvimento com tráfico de entorpecentes. Muitos anos tinham se passado desde então, todavia Cabral conhece com riqueza de detalhes o trabalho policial realizado e rememora a angústia em não terem conseguido provar a participação ilícita daquele sujeito, apontado como chefe do grupo, quando ainda era vereador em sua cidade natal.
O calejado policial respira fundo, enquanto acompanha os demais, é acometido por recordações do árduo serviço de anos atrás, que a todo instante lhe desafiam a prosseguir. Os corredores apinhados de pessoas, que transitam em diversas direções, reverberam ensurdecedor barulho, um obstáculo a mais a ser suplantado por ele.
Chegam ao gabinete do parlamentar, se apresentam, são anunciados por um dos assessores. Imediatamente, o deputado os recebe com um sorriso largo. Carismático, expressa o desejo de tirar uma foto com o trio federal, antes mesmo de escutar as reivindicações. Cabral, pouco à vontade, prefere se manter mais na retaguarda. Embora plausíveis as argumentações, não se consegue extrair o compromisso de que o mandatário votará a favor da categoria, o sujeito é escorregadio. Não há motivos para maiores delongas em permanecer naquele recinto.
Hora das despedidas, um singelo aperto de mão simboliza a necessária cordialidade. Absorto em pensamentos, Cabral acha que a vida lhe tenha pregado uma peça, quando uma mão toca seu ombro, e em seguida escuta uma voz: “Rapa-coco, é você?” O grisalho policial espanta-se que alguém lhe chame por um apelido tão pouco conhecido, afinal há muitos anos consertara os protuberantes dentes.
Não consegue controlar sua curiosidade, gira em torno de seus calcanhares, aperta a vista, e ao reconhecer aquele homem, espontaneamente grita: “Cobra Quatro” Em seguida, vem um longo e efusivo abraço daqueles dois senhores. Todos ao redor se espantam, os semblantes curiosos suscitam respostas. Thompson, também policial aposentado, e agora deputado federal, em seu primeiro mandato, explica à roda formada, que aquele senhor foi seu companheiro de inúmeros trabalhos quando atuavam na delegacia de repressão a entorpecentes, mas que há muito tempo tinham perdido o contato em razão da mudança de endereço.
Entende a presença de seu amigo no local, atento às demandas da categoria profissional, transmite-lhe uma ótima notícia: “Cabral, você pode contar comigo, serei relator desse projeto de lei. Você cumpriu sua missão.” Dessa vez, o aperto de mão tem valor de verdade.
Hélio C. Freitas Filho, agente de polícia federal, carioca, casado, radicado no Espírito Santo, Bacharel em Direito e Administração.