A fome retorna vigorosamente à cena pública com a pandemia da Covid-19
A pandemia da Covid-19 inaugurou questões sanitárias e agravou problemas já existentes
Gegliola Campos da Silva e Tânia Maria Silveira
Portal Gazeta online
A pandemia da Covid-19 inaugurou questões sanitárias e agravou problemas já existentes no seio da nossa sociedade, tais como, a fome, a pobreza e a violência. Novos e velhos desafios confrontam os responsáveis pelas políticas de Segurança Alimentar, Redução das Desigualdades e Cultura de Paz.
Decerto, a pobreza extrema é um fenômeno antigo que subsiste porque absurdamente aprendemos a banalizar o inconcebível. A fome e a miséria são questões com raízes estruturais históricas, por séculos negligenciadas. O resultado é que atualmente o Brasil, com 211 milhões de habitantes, tem 61,1 milhões vivendo na pobreza e 19,3 milhões na extrema pobreza, conforme o estudo publicado, na última quinta-feira (22/04), pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (MADE-USP).
O estado do Espírito Santo tem quatro milhões de pessoas e cerca de 1 milhão e meio são pobres, dentre elas mais de 730 mil estão na pobreza extrema. Temos 490.793 famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais. Além disso, a pandemia impactou muitos setores econômicos, portanto ainda não se sabe a quantidade de pessoas desocupadas e sem perspectivas de geração de renda. Mas, podemos afirmar que 40% da população capixaba não tem como se auto sustentar.
Muito se fala em segurança pública para uma cultura de paz, mas não há paz que se sustente com a desigualdade e a miséria. Não há dignidade que resista à fome, afinal, sem uma alimentação adequada, o ser humano transforma-se, perde seus escrúpulos e, como no poema de Manoel Bandeira, se distancia da condição humana digna. Acreditamos que para se consolidar uma cultura de paz é essencial resolvermos questões como a fome.
Embora a solidariedade individual ocorra de fato, além de vários segmentos da sociedade civil, igrejas e instituições privadas se organizarem como podem para dar o que comer a quem tem fome, sabemos que o tema não pode ser visto somente pela ótica da caridade. É urgente avançarmos em Políticas Públicas para Segurança Alimentar enquanto requisito essencial para a Cultura de Paz.
Assegurar o direito à alimentação é dever do Estado, não apenas deste ou daquele governo. Questões relacionadas à pobreza e à insegurança alimentar estão vinculadas às noções da cidadania e de Direitos Humanos construídos ao longo do processo histórico dos Estados-nação.
Defendemos que o direito à alimentação é aquele que nutre todos os outros. Claro que todas as necessidades humanas são importantes, mas algumas são imediatas. Por exemplo, a fome mata mais rápido do que falta de escolaridade, para quem está faminto não faz sentido o discurso articulado de resiliência. Quem precisa comer tem pressa para sobreviver!
Publicado originalmente em https://www.agazeta.com.br/artigos/fome-retorna-vigorosamente-a-cena-publica-com-a-pandemia-0521
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Gegliola Campos da Silva, assistente social e mestre em Segurança Pública (UVV)
Tânia Maria Silveira, assistente social e mestre em Política Social (UFES)