Imunidade parlamentar não é instrumento de consolidação eleitoral
Alguns políticos perceberam que a polêmica é uma estratégia poderosa para fidelizar eleitores
Tânia Maria Silveira e Fabrício Sabaini*
Portal Gazeta online
Publicado em 12/09/2019 / Portal Gazeta online
Autores: Tânia Maria Silveira e Fabrício Sabaini*
Vivemos tempos estranhos. Cada vez mais polarizadas, as discussões perdem o sentido racional. Alguns políticos perceberam que a polêmica é uma estratégia poderosa para fidelizar eleitores. E, mesmo quando o argumento é refutado e atacado, a polêmica gera a repercussão das declarações no mundo real, reforçando o polo contrário como representante de um pensamento discordante. Assim, o ganho político é enorme para aqueles que polemizam.
Nesse “vale tudo” recorrentemente somos surpreendidos por declarações públicas de autoridades que violam a legislação. Ameaças, ofensas, despautérios de toda sorte são declarados sem qualquer pudor. É um paradoxo inaceitável ouvir tais declarações daqueles que foram eleitos para defender a lei e a ordem. As garantias jurídico-legais, os direitos fundamentais protegidos por nossa Constituição e normas infraconstitucionais visam a concretização da liberdade, a redução das diferenças sociais que fundamentam a organização social de qualquer povo ordeiro que trabalha e confia.
E uma das conquistas mais importantes do amadurecimento da democracia é a imunidade parlamentar. Ela obriga que todos os outros poderes respeitem as ideias externadas, pois tal pensamento é representado legitimamente pelo parlamentar, por mais absurdo que seja.
Porém verificamos a utilização da imunidade parlamentar de forma antiética, com afronta a princípios sociais basilares, como instrumento de consolidação eleitoral. Sob tal lógica, o que importa é que o argumento repercuta, mesmo que negativamente, inclusive nas redes sociais, para que os algoritmos os externem para mais pessoas. Fale mal, mas fale de mim! E assim, repercutindo mais, encontramos percentualmente mais pessoas que concordam comigo, consolidando a estratégia eleitoreira. Inobstante concordar-se ou não com o mérito do pensamento, há que se resguardar a sacralidade do instituto democrático da imunidade para a defesa real da sociedade, não como factoide político.
Para conter os extremos, os abusos, os ataques abertos aos direitos fundamentais, sem que exista interferência indevida de quaisquer outros poderes, foram criados os Comitês de Ética internos dos parlamentos que zelam pela dignidade dos atos legislativos, sob pena de cada vez mais a classe política se aprofundar no descrédito e na crise de representação.
Vale lembrar que o abuso nas prerrogativas constitucionais dos parlamentares está previsto nacionalmente no Art. 4º, inc. I, do Código de Ética da Câmara dos Deputados, praticamente espelhado no Art. 4º, inc. III, da Resolução n° 1.775/09, que instituiu o Código de Ética e Decoro Parlamentar dos representantes do povo nas terras de Maria Ortiz.